AS BASES DA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA*
Paulo
Bonavides**
1. A
repolitização da legitimidade e a causa dos oprimidos.
Nos Países do
ocidente avançado os governantes e os publicistas em seus juízos acerca do
Terceiro Mundo confundem trégua com paz, armistício com capitulação,
descontentamentos sociais com ingovernabilidade, e despolitização, conceito que
falseiam, com legitimidade, conceito que menosprezam.
O substrato
ideológico na ordem material dos valores é subjacente a todas as formas
políticas, jurídicas e sociais regidas pelas Constituições dos Estados
periféricos.
E serve de
teor, do mesmo passo, à repolitização da legitimidade, bem como de escudo e
elemento de permanência espiritual para propugnar a causa da libertação dos
povos, inclinados ao fundamentalismo de sua cultura e à conservação de seus
valores.
Colocados
debaixo da ameaça de rápida dissolução por absorção na dependência, esses
valores reagem, e quando reagem pelos seus intérpretes e condutores, agitando os
quadrantes da sociedade, produzem mais cedo ou mais tarde as erupções do vulcão
político e rebatem a critica e a linguagem dos dominadores, que tem por órgão
elites traidoras e governos desnacionalizados.
Estes, não
sabendo, nem podendo subjugar a crise, se escoram no argumento da
ingovernabilidade, e, por salvaguardar a segurança da ordem interna, exigem mais
sacrifícios ao povo e à nação.
Tais
sacrifícios se traduzem em tributos que esmagam e leis que oprimem; aquela
pletora de atos normativos vexatórios descreve e define, pois, a natureza do
regime e faz a republica parecer a mesma da máxima de Tácito: “corruptissima
respublica, plurimae leges”. Quanto mais leis, mais corrupta a república!
Dizia o historiador romano.
Esse estado que atesta a
decadência do ordenamento público procede em geral da incúria, do desmazelo, da
incapacidade, da malversação dos bens do erário, do desgoverno que nos paises
neocoloniais selou a aliança de liberais e globalizadores; aliança funesta ao
futuro da nação, ao bem da sociedade e à causa do povo, porque perpetua, numa
associação de interesses e privilégios, a supremacia da classe dominante.
2. Democracia
participativa, o grande caminho do futuro.
A democracia
participativa no Terceiro Mundo poderá fazer a transição da obsolescência
representativa dos parlamentos para a instantânea e eficaz e legitimante
aplicação dos mecanismos plebiscitários da Constituição, instaurando assim, em
definitivo, as bases democráticas do poder.
O
constitucionalismo da democracia participativa no universo dos países
periféricos há de arvorar, de necessidade, a bandeira da luta e da resistência
às dissoluções políticas de seu sistema de poder.
Suas inspirações de
contratualismo e soberania – programa revolucionário de três séculos de
modernidade no ocidente – parecem doravante estar sendo desconfessados pelos
descendentes ideológicos do velho liberalismo. Volvendo-se contra as raízes do
passado, professam estes a doutrina neoliberal da globalização, vendo na
soberania e no contrato social o pó da história, o grande obstáculo remanescente
à renovação institucional de cada nação daquele cosmo, debilitada por razões
que se nos afiguram maiormente de atraso social, político e econômico, sobre as
quais, em virtude das injustiças do capitalismo financeiro internacional, não
tem jurisdição os poderes de governo das nações oprimidas.
Demais disso, o
constitucionalismo em países da periferia, como o Brasil, se acha em dissidência
com a democracia indireta, com a mecânica representativa de governos corruptos,
curvados a forças externas de pressão que lhe retiram não raro a independência,
ao mesmo passo que lhe rebaixam a estatura de poder. Em suma, governos
vinculados a assembléias nascidas de partidos desagregados; cúmplices da
ingovernabilidade, da desorganização política e do estertor social do
regime.