O Plenário do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São Paulo e
Mato Grosso do Sul) declarou ontem inconstitucional o limite estabelecido para
dedução de gastos com educação no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Em
julgamento que durou cerca de duas horas, 11 dos 18 desembargadores federais que
compõem o Órgão Especial do tribunal entenderam que proibir o abatimento
integral viola o direito de acesso à educação previsto na Constituição Federal,
além da capacidade contributiva. “Se a Constituição diz que é dever do Estado
promover e incentivar a educação, é incompatível vedar ou restringir a dedução
de despesas”, disse o relator do caso, desembargador Mairan Maia.
A Fazenda Nacional já estuda entrar com recurso no Supremo Tribunal Federal
(STF). Para o tributarista Julio de Oliveira, do Machado Associados, a decisão é
muito relevante diante da quantidade de brasileiros que utilizam o sistema
privado de ensino e que podem ser beneficiados caso a declaração de
inconstitucionalidade seja confirmada no Supremo. “O posicionamento do TRF
estimula o ajuizamento de ações individuais. Mas a União levantará aspectos
econômicos, como a queda de arrecadação, para reverter a decisão”,
afirmou.
A constitucionalidade do limite de abatimento foi analisada a partir de um
recurso de um contribuinte paulista que caiu na malha fina por não ter observado
o valor máximo para dedução na declaração do IR em 2002. Na época, o limite era
de R$ 1,7 mil. Para 2012, o montante foi fixado em R$ 2.958 mil. Na ação, o
contribuinte pleitea o direito de abater todos os gastos com educação de seus
filhos e esposa.
Em um extenso voto, Maia citou todos os artigos da Constituição que
descrevem a educação como um direito universal e intangível e estabelecem que o
Poder Público tem o dever de incentivá-la e promovê-la. Citou ainda norma
constitucional que isenta de impostos as instituições de ensino sem fins
lucrativos. “O Estado não arca com seu compromisso de contratar professores,
construir escolas e fornecer material didático para todos”, disse. Assim,
continuou, “por incapacidade”, deixou o ensino livre à iniciativa privada.
No voto, proferido ao longo de cerca de 40 minutos, afirmou ainda que a
imposição de limites cria obstáculos para que os brasileiros consigam exercer um
direito básico. “É uma legislação despida de justificativa econômica e lógica
que onera o contribuinte e arbitra um valor sem critério”, disse, referindo-se
ao dispositivo da Lei nº 9.250, de 1995, que fixa o limite de dedução com
despesas na educação infantil, ensino fundamental, médio e educação
superior.
A desembargadora Regina Costa afirmou ainda que a Constituição determina
que o salário mínimo deve ser suficiente para atender necessidades básicas, como
saúde, moradia e educação. Da mesma forma, as despesas com esses itens não
deveriam ser consideradas para apuração do IR. “O Fisco não aceita a dedução
integral e ainda tributa sobre gastos com direitos vitais”, disse. O conceito de
renda, previsto na legislação, reforça a incompatibilidade da norma com a
Constituição, segundo os desembargadores. De acordo com eles, o que seria
tributável é o acréscimo patrimonial ou riqueza nova que fosse apurada durante o
ano.
No entanto, a desembargadora Alda Basto entendeu que, se houve despesa,
também haveria renda disponível. Além disso, considerou que retirar o limite de
dedução violaria a igualdade entre os contribuintes. “Não é justo, mas não é
inconstitucional”, afirmou. Outros seis desembargadores votaram contra a tese do
contribuinte.
Parte dos desembargadores seguiu entendimento da 1ª Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) que em duas oportunidades – em fevereiro de 2011 e
fevereiro de 2012 – entendeu que o Poder Judiciário não pode isentar, reduzir
tributos ou deduzir despesas sob o risco de legislar. Em 2010, o TRF da 1ª
Região teve o mesmo entendimento. No julgamento de ontem, no entanto, o relator
do caso afirmou que considera “necessária” a posição do Judiciário sobre o
assunto. “É uma intervenção para suprimir uma norma que é inconsistente com a
Constituição”, disse Maia.
Em sua defesa, a Fazenda Nacional alegou que haveria violação ao princípio
da capacidade contributiva com a extinção do limite, uma vez que os
contribuintes com maiores gastos pagariam menos Imposto de Renda. “Aumentar o
nível de desoneração do IR traz prejuízos à implementação de politicas
públicas”, disse a procuradora da Fazenda Nacional, Márcia Mariko, durante a
defesa oral. Segundo o relator do caso, a União não sabe qual seria o impacto
econômico da medida.
Fonte: Valor Econômico